No DF, 19% dos assassinatos de mulheres tiveram tipificação alterada. Entenda



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O relatório de monitoramento dos feminicídios do Distrito Federal, produzido pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF), aponta que dos 200 assassinatos de mulheres, registrados entre março de 2015 e maio de 2023, 39 que inicialmente haviam sido tipificados como feminicídio não se mantiveram com a qualificadora ao longo do andamento do processo. O quantitativo representa 19,5% dos casos.


Conforme esclarece o documento, a mudança na qualificação pode ter ocorrido no âmbito de atuação da Polícia Civil (PCDF), do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) ou do Tribunal de Justiça e dos Territórios (TJDFT).


Desde 2017, a PCDF acatou uma recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) e passou a investigar inicialmente como feminicídio todas as mortes violentas envolvendo mulheres na capital do país. A natureza pode ser alterada pela autoridade policial somente após as diligências demonstrarem que se trata de crime diverso.


A lei considera feminicídio quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima. A nova legislação alterou o Código Penal e estabeleceu o crime como circunstância qualificadora de homicídio.


Também modificou a Lei de Crimes Hediondos, para incluir o feminicídio na lista. Com isso, o crime de homicídio simples tem pena de seis meses a 20 anos de prisão, e o de feminicídio, um homicídio qualificado, de 12 a 30 anos de prisão.


O promotor de Justiça Raoni Parreira Maciel, coordenador do Núcleo do Tribunal do Júri e de Defesa da Vida, explica que a diferenciação entre eles é muito importante, visto que crimes motivados pela condição de ser mulher têm características específicas.


“Essas qualificações permitem uma investigação diferenciada, que torna o processo diferente e permite que nós, ao optarmos pelo nome feminicídio como qualificadora, pudéssemos identificar, dentro do conjunto de homicídios que acontecem na sociedade, quais são os contextos em que as mulheres estão sendo vítimas pela condição de serem mulheres”, destaca Raoni.



A Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios da SSP-DF destaca que 200 assassinatos de mulheres foram considerados como feminicídio consumado, entre março de 2015 e maio de 2023. Desses, 161 mantêm-se tipificados como feminicídio, e 39 como natureza diversa.




Confira o detalhamento: 




 


Segundo o promotor, sempre haverá homicídios de mulheres que não são feminicídios e homicídios de mulheres que são feminicídios. Isso porque o crime acontece em razão da condição do gênero feminino.



“Essa razão tem duas hipóteses na lei. A primeira, mais comum, é o crime cometido pelo contexto de violência doméstica. Sempre que o homicídio de uma mulher é cometido dentro do contexto de violência doméstica e familiar, vai se chamar feminicídio”, destaca Raoni.


As 39 ocorrências de assassinatos brutais de mulheres que tiveram a tipificação alterada no DF deram-se em razão dos seguintes motivos:



  • Ocorrência aditada para natureza diversa de feminicídio consumado (12);

  • Arquivamento por falta de justa causa a requerimento do Ministério Público (7);

  • Decisão do júri de desqualificação do feminicídio (5);

  • Autos redistribuídos para outra unidade federativa (4);

  • Decisão judicial de desclassificação para crime diverso do doloso contra a vida (3);

  • Processo denunciado como homicídio (2);

  • Decisão judicial de impronúncia (2);

  • Decisão do júri de desclassificação para lesão corporal seguida de morte (1);

  • Decisão judicial de desqualificação para homicídio (1);

  • Indiciamento em homicídio (1);

  • Declínio de competência a requerimento do Ministério Público (1).


Homicídio x Feminicídio


Um exemplo de crime que mudou de registro na PCDF depois do esclarecimento dos fatos foi o assassinato de Patrícia Alice de Souza, na Fercal. Ela foi encontrada morta, em  janeiro de 2019, com três tiros nas costas.


O corpo de Patrícia foi localizado, em 4 de janeiro, na região do Engenho Velho. Segundo o delegado responsável pelas apurações na época, Laércio Carvalho, os criminosos atraíram a vítima para um local ermo e atiraram contra ela.


Inicialmente o caso foi tratado como feminicídio. Após as apurações das circunstâncias, houve a reclassificação do crime para homicídio. Conforme o investigador, o contato dos autores com a vítima era superficial e não foi possível apontar relacionamento afetivo entre eles.


De acordo com os depoimentos, eles teriam matado Patrícia porque ela estaria inconformada com outro assassinato, e teria prometido vingança contra eles. Laércio também destacou que os três criminosos cometeram outros delitos na região.


Atuação do MPDFT


Com o objetivo de oferecer dados que, de fato, reflitam a realidade dos crimes contra a vida, o MPDFT institucionalizou, em 2020, o projeto Verum. A iniciativa, do Núcleo do Tribunal do Júri e Defesa da Vida, visa apresentar dados mais exatos, confiáveis e próximos da realidade acerca do processamento dos crimes de homicídio consumado em todo o Distrito Federal.


Por meio da plataforma, é possível apurar as taxas de resolução dos inquéritos, os percentuais de condenação, e os prazos despendidos em cada uma das fases do processo. A ferramenta permite, ainda, dividir as ocorrências por tipo de crime, local de ocorrência e arma utilizada. Há a possibilidade, ainda, de distinguir os flagrantes delitos.


O promotor de Justiça Raoni Parreira destaca que com o Verum é possível identificar, dentro de toda a lista de homicídios que acontecem no DF, como está sendo feito o tratamento dos feminicídios.


Segundo levantamento de dados extraídos da plataforma Verum, entre 2021 e 2022, o MPDFT ofereceu 31 denúncias de feminicídio, das quais 11 já têm julgamento: 10 condenações e uma absolvição imprópria. A média da pena dessas condenações aproxima-se de 25 anos.


De acordo com o registro, um processo encontra-se suspenso pelo réu estar foragido, e 19 ações estão em curso, sendo que três deles já têm data da sessão plenária. Do total de denunciados, além do réu foragido, um está em monitoramento eletrônico. Os demais encontram-se atrás das grades.


Na avaliação de Raoni percebe-se que a legislação tem sido aplicada de forma adequada e razoável, de modo a proporcionar uma pena ao réu condenado bastante acima do mínimo legal. “O mínimo legal do crime de feminicídio é de 12 anos, e as penas estão bem acima disso, chegando a médias próximas de 20 anos. Isso demonstra que a legislação veio e tem cumprido, no DF, a intenção de punir de forma mais severa os autores desses crimes. Isso porque existe a percepção de que são crimes contra a humanidade e, por isso, devem ser punidos de forma mais severa”, pontua.


No que concerne aos feminicídios por ano, em 2021, são 17 denunciados, dos quais 11 têm julgamento (uma absolvição imprópria e 10 condenações). Todos os réus estão presos e/ou sujeitos a alguma medida de segurança. Dos processos, 10 não tiveram flagrante.


Especificamente sobre o ano de 2022, são 14 denúncias, das quais um processo encontra-se suspenso, devido ao réu estar foragido e os demais em curso. Além disso, um dos réus é monitorado eletronicamente e os demais estão presos. Desses casos, sete processos foram sem flagrante.




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